sexta-feira, 4 de março de 2011

O Oscar é a patetice banhada em ouro

Por Marcelo Carneiro da Cunha, em 04/03/2011, no link http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI4972714-EI8423,00-O+Oscar+e+a+patetice+banhada+em+ouro.html

Estimados milhões de leitores, cá estamos, firmes, fortes, e, no caso de quem mora em São Paulo, encharcados. E muitos de nós, ainda pensando no que aquele cara fazia ao lado da lindinha Anne Hathaway, enquanto ela quase se matava tentando salvar as aparências da festa, sem ganhar nada além de um milhão e meio de dólares por tamanho esforço. Dureza esse tal de Oscar.

Nada que se compare, no entanto, à dureza de aguentar as horas e horas de tapete vermelho, piadas feitas de isopor, músicas mesozoicas e a pior parte, o discurso dos vencedores de alguma categoria. Aquilo, estimados leitores, é o equivalente áudio-visual do que o Kadafi tenta fazer com os ex-suditos, na Líbia, e que a ONU considera tortura.

No entanto, o Oscar é compreensível, se a gente entender que premiação de cinema, é uma coisa, Oscar, é outra. Oscar não é prêmio de cinema nem aqui nem na Conchinchina. Oscar, estimados leitores, é premiação por comportamento.

O cinema começou, como forma de contar histórias, lá por 1908, tirem ou coloquem alguns anos. Nessa época, os Estados Unidos eram uma explosão de atividade econômica, e os imigrantes que chegavam do mundo inteiro eram uma parte importante da equação. E eles eram do mundo todo, e o mundo, naqueles tempos, ainda não falava inglês. Muitos eram analfabetos, ou quase. A única coisa que podiam fazer, para entretenimento, era consumir alguma forma de contar histórias que não precisasse do inglês. E o cinema, era mudo, lembram? Portanto, já pelo ano de 1908, se vendiam algo como 60 milhões de entradas para ver filmes, nos Estados Unidos. Por semana.

Uma arte de massa requer uma indústria, caros leitores, e os americanos criaram a primeira e mais poderosa delas. Para poderem produzir filmes em série, e onde havia mais luz, os estúdios foram para a Califórnia, para um lugarejo chamado Hollywood. Mas, se a produção foi para lá, o financiamento continuou onde sempre esteve, em Wall Street, e essa sempre foi a lógica por trás do cinema americano. Industrial, capitalista, comercial, ou pelo menos querendo ganhar dinheiro, e muito dinheiro ele ganhou. Esse sistema, criado pelo status quo, também serviu ao status quo, e a ideologia fez com que os americanos criassem o star system, no qual atores, transformados em estrelas, eram o que havia de mais importante e bem pago. Atores, normalmente, não são quem cria os filmes ou escrevem as suas falas. Assim, são menos perigosos do que escritores, roteiristas, diretores, cujas simpatias poderiam até mesmo estar - horror - com as esquerdas. Precisavam ser neutralizados, e foram.

Isso não significa que o sistema americano não pudesse produzir grande cinema. Ele sempre fez isso, e o faz hoje, quase como ninguém. A única questão é que esses não são os filmes que o Oscar premia, por todos os motivos descritos nessa coluna. Um exemplo, nesse ano de 2011, foi que o insípido, mesmo que bonito, Discurso do Rei foi o grande vencedor. Do outro lado, tínhamos ótimos filmes como a Rede Social, Bravura Indômita ou Inverno da Alma, todos muito melhores do que o vencedor. Não ganharam, e nunca iriam ganhar, porque a lógica é outra. Hollywood premia uma estética, e ela é, acima de tudo, comportada, e não deve estragar o seu dia ou a sua pipoca, enquanto assiste.

O que Hollywood representa é a monarquia transposta para telas e tapetes. Ela oferece o intangível. Ela cria os seres maiores do que eles mesmos, os chama de estrelas e coloca a todos no tapete, uma vez ao ano, para que bilhões de espectadores possam perder o fôlego diante deles. Iluminação, fotografia, cinematografia, produção, tecnologia, tudo se une na criação desses deuses, que são trazidos à Terra de tempos em tempos para serem melhor adorados. Isso, e isso sim, é Hollywood.

De troco, os americanos, e Hollywood, produzem o que é, longe, a melhor qualidade técnica e narrativa, a maior gama de temas e abordagens, mesmo que o Oscar premie conflitos contidos, mensagens de paz entre o mundo e o capital, e ordem, acima de tudo.

Atores e atrizes, regiamente pagos, topam participar, felizes com o resultado e com suas imagens multiplicadas pelo mundo todo. Produtores se divertem quase tanto quanto os banqueiros que os financiam. Diretores não têm lá muita escolha, é pegar ou largar, e, a maioria, pega. O resultado é o que deve ser: perfeição a la Hollywood , onde ninguém vai ao banheiro, ilhas não têm mosquitos e, durante o sexo, todos chegam ao orgasmo ao mesmo tempo. Igualzinho ao mundo real e é disso que o Oscar gosta; isso é o que é celebrado. Arte é coisa muito menos confiável do que beldades sobre um tapete vermelho. Arte, quando se vê, é na exceção americana e nos filmes estrangeiros, que seguem outra lógica e são premiados de maneira segura.

E a verdade é que não vivemos mais a época dos grandes festivais, onde se debatia e definia o cinema. Hoje, os sistemas de aprovação, de legitimação do que seja a arte no cinema parecem ter se deslocado para longe dos festivais, e para mais perto da internet.

O Oscar permanece como a grande festa da indústria - que poderia ser bancária, aeroespacial, e é cinema por detalhe e por isso a festa tem o jeito que tem. Hollywood é um espaço para a criação do real mais real do que a realidade, e nem a realidade, nem os filmes, devem atrapalhar a perfeição construída em 83 anos de Oscar. A nós, cabe o papel de sempre, de admirar, comentar, debater quem vai vencer nesse ano, ou no ano que vem, quando isso, na verdade, não faz, e como poderia fazer - a menor diferença.

Nenhum comentário: