quarta-feira, 19 de junho de 2013

Fox investe nos 'hábitos da classe C' para crescer no país

Objeto do desejo de quase todo produtor de conteúdo nos últimos dois anos, a classe C encontrou abrigo, em parte, nos canais da Fox.

A principal receita da programadora, os recursos que recebe de operadoras como Net e Sky pela transmissão dos canais, cresceu 55% no ano fiscal que termina neste mês.

"A gente via que o público que estava chegando [à TV paga], de classe C, tinha hábitos diferentes", descreve o diretor-geral, Gustavo Leme. "E a gente tinha que perseguir esses hábitos."

A Fox partiu para dublar todos os canais, acelerou produções nacionais e contratou um vice de programação que vinha da TV aberta mais popular, ex-Record e SBT. Também lançou seu canal de esportes, concentrado em futebol e com programador também saído da TV aberta.

Mas o salto de 55% na receita com "eyeballs", globos oculares, como Leme descreve o faturamento junto a assinantes das operadoras, não se refletiu em anúncios, que cresceram 28%. Com o percentual menor de publicidade, a média do aumento da receita da Fox foi de 49%.
 
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O que significou este último ano para a Fox?
Gustavo Leme - Muita mudança. Chegou um momento em que a gente falou, "Olha, a Fox precisa se estruturar de maneira mais sólida no Brasil". Foi há praticamente dois anos. E coincidiu com a Fox comprando a parte da Hicks Muse no Fox Sports. Com o controle de todo o canal, a gente lançou no Brasil.

Nesse período, final de 2011, início de 2012, a gente estava num escritório que era um terço deste e decidiu que iria fazer toda a programação dos canais. Contratamos Paulo Franco, que vem de SBT, Record. A gente via que, com o crescimento da TV por assinatura, o público que estava chegando, de classe C, tinha hábitos diferentes. E a gente tinha que perseguir esses hábitos. Uma decisão foi trazer essa cultura.

Um pouco de TV aberta.
Com o Paulo, a partir da metade do ano passado a gente conseguiu com os canais de entretenimento --a Fox, o FX, o National Geographic, o Bem Simples, o Fox Life-- um crescimento muito grande em audiência. O Fox hoje é o primeiro entre todos os canais de TV por assinatura. O NatGeo é o primeiro em termos de documentários, passou o concorrente. O FX estava lá em 25º e agora está ranqueando entre os dez principais. Foi essa aposta de TV aberta, de investir na dublagem.

Que virou uma política ampla.
Para todos os canais. E a gente passou a produzir muito mais no Brasil. Os conteúdos do Bem Simples, por exemplo, eram todos feitos na Argentina, em português.

"Homens Gourmet", Palmirinha, a Carla Pernambuco com "Brasil no Prato". E a gente está agora em parceria com a Casablanca para produzir a nova temporada.

Em São Paulo?
O estúdio é na Vila Mariana. A produção é terceirizada, porque esse é o objetivo da lei [12.485, de 2012], incentivar a produção independente nacional. A gente contratou a Casablanca também para o Fox Sports. E, para a programação, o Edu Zerbini, também um cara de TV aberta.

Você também convidou Patrícia Abravanel, para o Bem Simples?
Não era convite. A ideia era usar os produtos da Jequiti e eventualmente fazer um programa no Bem Simples. Não era tirar ela do SBT. Era uma coisa comercial, para vender produto cosmético. E não funcionou.

Um ano atrás, você previa um crescimento de faturamento neste ano fiscal que termina em junho. Ele aconteceu?
Aconteceu. Posso dar o número percentual. Comparado com o ano fiscal de 2012, que terminou em junho do ano passado, o de 2013 cresceu 49%, como total do faturamento. A gente teve aumento até da receita de publicidade, porque tem um pacote mais consistente, com entretenimento, esporte, "life style".

O vice da Turner reclamou que no Brasil a TV paga cresce em penetração, mas a publicidade não acompanha.
No caso da Fox, além do aumento na base de assinantes, tivemos aumento de audiência. Isso se reflete num número muito maior de telespectadores, só que a gente não consegue refletir isso no valor da publicidade.

Você vai no anunciante num dado ano e vende um pacote por R$ 1 milhão; no ano seguinte, você teve aumento de base, você aumentou em 50% o número de "eyeballs", de pessoas que estão assistindo, e não consegue repassar para o cara de uma vez.

Por que há essa lentidão?
Porque as verbas já estão em grande parte comprometidas com algumas estratégias. O cara, para tirar dinheiro de TV aberta e passar para TV por assinatura, é difícil.

Tem as bonificações de volume [recursos destinados pelos veículos às agências, para direcionar anunciantes]. Mas aí, no ano seguinte, você já consegue um pedaço maior e vai andando.


 
Gustavo Leme, diretor-geral da Fox
Gustavo Leme, diretor-geral da Fox

Além da publicidade, a receita vem das assinaturas?
É o quanto a gente cobra das operadoras, Net, Sky, Vivo, Claro. É o "fee", o valor que a gente cobra por assinante, por cada canal. O aumento foi muito grande, 55%. Foi o que mais carregou.

Com relação à produção nacional, você vê a lei como positiva, hoje?
Nunca vi a lei como positiva. Não mudou tanto o mercado, pelo menos para a gente, que iria produzir de qualquer maneira. Quando a gente produziu a série "9MM" nem se falava em lei, cotas, essas coisas. A gente tem muito mais conteúdo hoje, em termos de horas, do que determina a lei. A lei também não serviu para crescimento de mercado, porque o mercado iria crescer de qualquer jeito. E não serviu para mudar de mãos o dinheiro que é usado para produção independente, porque os mesmos estão produzindo, para os mesmos. As grandes produtoras continuam centralizando o dinheiro.

E houve consequências negativas?
O que teve um apelo negativo foi a questão de cotas de canais nas operadoras. Isso complicou muito a vida da gente. A gente já poderia ter mais canais, ter novos projetos, mas isso ficou inviável porque os canais obrigatórios acabaram tomando todo o espaço das operadoras. Eles estão sendo lançados e são canais que a gente pode ver que muito poucos têm alguma coisa a acrescentar para o telespectador.

A Fox cresceu, mas a Globosat ainda está muito na frente?
Muito. A gente nunca vai chegar ao tamanho que tem a Globosat.

Até pela limitação de canais.
Pela limitação de canais. Pelo tamanho do investimento que eles já fizeram todos estes anos. A gente tem muito o que correr atrás. Também pelos conteúdos que eles têm. Um canal como o Viva, por exemplo, é baseado em todo o conteúdo histórico da Globo. Isso não tem preço.

O canal Fox já está na frente da RedeTV! na TV paga?
Não consistentemente, mas em muitos momentos o Fox e o Fox Sports superam alguns canais de TV aberta, dentro do universo de cabo. Isso acontece. Não é ainda um comportamente sistemático, mas em muitos momentos a gente já supera. Em alguns, a gente ficou em segundo, só atrás da Globo. Isso no âmbito da TV por assinatura, porque, se você for contar o universo total de TV, não tem como.

Você considera que a maneira como é medida a audiência da TV por assinatura no Brasil está funcionando? Seria bom ter concorrência?
Leme - Seria excelente ter concorrência. Acho muito inconsistente ainda, em termos de quantidade de "people meters", em termos de representatividade da amostra. Podia ser melhor. E também há mudanças muito rápidas, em termos de operadoras e pacotes, e isso é difícil de acompanhar.

O Netflix estreou no Brasil há um ano e meio. Algum impacto?
Não, até agora não. A gente vê com atenção, vê que tem tido um crescimento. Mas não teve nenhum impacto, em termos do nosso negócio, ainda.

A Fox tem participação no Hulu [serviço concorrente do Netflix nos EUA]. Pretende trazer para cá?
Não, não temos nenhum projeto de lançar o Hulu aqui. O projeto que a gente tem é o Fox Play. Mas é um projeto, não está nada fechado. É como HBO Go, o Muu da Globosat, esses.

Através das operadoras ou direto na internet?
Sempre passando pelas operadoras. A gente não quer fazer concorrência ao nosso próprio cliente. Vamos oferecer esse produto através da TV paga. É para este ano.

Em 19/06/2013, no jornal Folha de S. Paulo.

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